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Produto para Saúde x Medicamento: Quais são as diferenças nos estudos clínicos?

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Produto para Saúde x Medicamento: Diferenças Fundamentais nos Estudos Clínicos


O setor da saúde passa por transformações profundas, impulsionadas por avanços tecnológicos e pela expansão do mercado global de dispositivos médicos. Dentro desse cenário, compreender as diferenças entre estudos clínicos envolvendo produtos para saúde e medicamentos é essencial para profissionais da área, empresas e pesquisadores.


Durante um recente painel temático do CRMeeting 2025, a Dra. Camille Rodrigues — médica pneumologista, mestre em saúde pela Unifesp, com vasta experiência no mercado farmacêutico e em pesquisa clínica — trouxe uma análise clara e objetiva sobre esse tema, que compartilhamos a seguir.


Crescimento do mercado de dispositivos para saúde


O mercado global de dispositivos para saúde (medical devices) está em franca expansão e já se consolidou como um dos segmentos mais dinâmicos da indústria da saúde. Com faturamento estimado em US$ 640 bilhões em 2024 e projeções que apontam para US$ 1 trilhão em 2034, esse setor deve representar, em pouco mais de uma década, aproximadamente metade do mercado farmacêutico mundial.


Esse crescimento é impulsionado por avanços tecnológicos — como a aplicação de inteligência artificial, novos biomateriais e soluções digitais — que demandam não apenas inovação em engenharia, mas também novas abordagens metodológicas para pesquisa clínica.


Na América Latina, a participação ainda é pequena — apenas 4% do mercado global —, mas com grande potencial de expansão, especialmente com a entrada de startups inovadoras que vêm se destacando ao lado de grandes players internacionais.



Diferenças conceituais: medicamentos versus dispositivos


Embora ambos dependam de comprovação científica para sua aprovação, e passem por etapas de avaliação clínica e não clínica, há diferenças estruturais:

  • Medicamentos: mecanismo de ação biológico, baseado em farmacologia. Estudos clínicos concentram-se em eficácia, segurança e qualidade.

  • Dispositivos médicos: mecanismo de ação físico, associado a engenharia mecânica, elétrica ou biomateriais. Estudos clínicos priorizam qualidade, segurança e desempenho.


Além disso, o ciclo de vida dos dispositivos é significativamente mais curto — em média, 18 meses, devido ao ritmo acelerado de inovações incrementais. Em contraste, medicamentos podem permanecer no mercado por décadas.


Estrutura regulatória


No Brasil, a Anvisa classifica os dispositivos em quatro categorias de risco, com exigências crescentes em termos de comprovação científica e aprovação regulatória:

  • Classe I (baixo risco): ex. curativos simples, abaixadores de língua.

  • Classe II (risco moderado): ex. kits de diagnóstico rápido, seringas, cateteres.

  • Classe III (alto risco): ex. lentes intraoculares, válvulas cardíacas, implantes ortopédicos.

  • Classe IV (máximo risco): ex. válvulas cardíacas de origem animal, implantes absorvíveis com colágeno ou ácido hialurônico.


Nos dispositivos de Classe I e II, em geral, basta a aprovação ética para a condução de estudos clínicos. Já os de Classe III e IV requerem dossiê clínico robusto, submissão regulatória prévia e autorização formal da Anvisa.



Particularidades do desenvolvimento clínico


O desenvolvimento de dispositivos apresenta aspectos técnicos que não se aplicam diretamente aos medicamentos:

  • Confiabilidade mecânica: resistência de próteses e implantes ao estresse físico.

  • Durabilidade: estimativa de tempo de funcionamento de válvulas, marca-passos e próteses.

  • Segurança elétrica: em equipamentos que utilizam energia externa, exigindo inclusive certificação do Inmetro.

  • Usabilidade: avaliação da curva de aprendizagem de médicos, profissionais de saúde e até do próprio paciente no uso correto do dispositivo.


Do ponto de vista metodológico, os ensaios clínicos com dispositivos não seguem o modelo tradicional de fases (I a IV) adotado em medicamentos. Frequentemente, utilizam desenhos adaptativos, estudos de desempenho e avaliações comparativas com produtos já estabelecidos.


Limitações e desafios


Entre os desafios recorrentes da pesquisa clínica em dispositivos destacam-se:

  • Escassez de publicações de alta qualidade, dificultando metanálises robustas.

  • Heterogeneidade dos desfechos clínicos, ainda sem padrões consolidados em muitas áreas.

  • Menor número de participantes nos estudos, em comparação aos ensaios de medicamentos.

  • Acompanhamento limitado, em função do ciclo de inovação mais curto.

  • Curva de aprendizagem das técnicas associadas ao uso do dispositivo, que pode impactar diretamente os resultados clínicos.

  • Complexidade regulatória em produtos combinados (ex.: bombas de insulina, que integram medicamento e dispositivo).


Desfechos clínicos: além do padrão ouro


Um ponto central levantado pela Dra. Camile é a importância da seleção adequada de desfechos clínicos. Em dispositivos médicos, não basta avaliar apenas métricas tradicionais (como parâmetros fisiológicos). É necessário incorporar:

  • Qualidade de vida e percepção do paciente.

  • Desfechos funcionais, relacionados ao impacto no cotidiano.

  • Avaliações econômicas e de custo-efetividade, fundamentais para decisões de incorporação tecnológica em sistemas de saúde.


Considerações finais


A pesquisa clínica com dispositivos para saúde é uma área em rápida evolução, com desafios metodológicos e regulatórios específicos. O crescimento exponencial do setor cria oportunidades para pesquisadores, centros de pesquisa e empresas, mas exige rigor científico, compreensão regulatória e foco em desfechos clínicos relevantes.


Mais do que comprovar segurança e desempenho técnico, os estudos com dispositivos precisam refletir benefícios reais ao paciente e sustentabilidade para o sistema de saúde.


👉 Este artigo é baseado na palestra da Dra. Camille Rodrigues, especialista em pesquisa clínica e Medical Affairs, apresentada em evento setorial sobre inovações em saúde.

 
 
 

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