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Preço de medicamentos – A regulação brasileira acompanha as tendências de mercado?

Atualizado: 20 de mai. de 2021



O entrevistado do 3º Programa no nosso canal do YouTube é:


Bruno Cesar Almeida de Abreu

  • Advogado, especialista em Regulação Econômica, Monitoramento de Mercados pela UnB.

  • Trabalhou por 14 anos na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED, junto à Anvisa, onde chefiou a área jurídica e foi Secretário Executivo.

  • Desde 2014 está no Sindusfarma, onde atualmente ocupa a Diretoria de Mercado e Assuntos Jurídicos.

  • Membro Titular da COMSAÚDE da FIESP.

  • Conselheiro Titular da CNI no Conselho Nacional de Saúde/MS”.


Confira trechos extraídos da entrevista.



Política de preços de medicamentos no mundo:

Os países europeus têm uma tradição enorme de regulação dos mercados. Principalmente porque todos trabalham com sistemas de reembolso. Os governos incorporam os produtos nos seus sistemas de saúde, disponibilizam à população e para isso fazem uma política ativa de preços, conseguindo descontos relevantes para poder fazer essa incorporação.


Já os Estados Unidos não. Tradicionalmente, a maior economia do mundo é muito liberal. Eles não fazem uma regulação ativa de preços com intervenção estatal. Os mercados são livres. Você tem grandes PBMs que compram medicamentos para os planos de saúde, aí eles conseguem com os descontos, mas tudo na dinâmica do mercado privado. Mas de alguns anos para cá, com as tecnologias de saúde, os medicamentos vêm agregando muita inovação, e essa inovação reflete sempre em uma vida com preços mais altos. O próprio governo americano tem se preocupado bastante e tem proposto modelos de regulação para trazer medicamentos para os programas, principalmente o Medicaid e o Medicare.


Vale a pena destacar também, na Oceania, o trabalho que a Austrália faz e a Nova Zelândia, muito parecido, espelhado no trabalho europeu de incorporação de produtos e com preços mais baixos até que na Europa. O Japão tem o trabalho de fomento à inovação incremental. Eles têm uma regulação econômica para inovação incremental, principalmente para fomentar que a indústria japonesa invista nessa inovação, tem muito interesse. A Coreia do Sul tem um aporte do governo, uma regulação muito grande dos medicamentos biossimilares. É uma inovação.

A China, está naquela transição de ser uma economia de mercado e ter ainda a tradição de país comunista, mas agora ela está com um programa de incorporação de produtos muito ativos e tem exigido descontos muito altos, de 70 a 90%, para incorporar um produto no mercado. Os preços chineses estão com essa cultura ativa.


Vale a pena ainda destacar que o Brasil foi o primeiro país emergente a regular ativamente os preços de mercado. Nós já tivemos congelamento lá atrás, na época de um governo antes do Collor, o Collor liberou o mercado, o José Sarney, teve aqueles descongelamentos de preços gerais na economia. Os medicamentos tinham esse congelamento. Depois de uma década liberado, nós voltamos a regular preço. Mas nós começamos a plantar uma semente em outros países emergentes. África do Sul regula preços, o México tem uma regulação de preços e agora na América do Sul nós temos a experiência chilena e temos a experiência do Equador que começaram a regular preços ativamente.


Regulação de preços no Brasil:

A regulação moderna começou em 2001, com uma câmara anterior à CMED. A CAMED, a Câmara de Medicamentos. Ela veio na esteira de uma CPI de medicamentos que nós tivemos no final da década de 90 que constatou vários desvios no nosso mercado. Desvios regulatórios e desvios em relação a preços. Nós estamos falando de uma época pré-ANVISA, onde a régua regulatória era muito mais baixa. Nós tínhamos toda a área de registro feita dentro do Ministério da Saúde por uma secretaria. Nós tínhamos processos muito complicados, tínhamos problemas regulatórios, problemas de qualidade, falsificação, era a carga mais roubada; tínhamos problemas de subida de preços nessa época. E veio na esteira da CPI essa regulação de preços, por meio de uma medida provisória. Essa câmara era para durar um ano, acabou durando dois. Veio 2003 e uma nova discussão sobre a ampliação dessa regulação, que é essa regulação mais moderna que temos hoje. Mas nós falávamos de uma época onde o mercado de genéricos era incipiente. Nós tínhamos pouca concorrência e muitos mercados, e que não é o retrato de hoje. O grande problema é que a regulação está em um tamanho muito maior do que ela deveria ter. Hoje nós temos vários medicamentos que provocam concorrência e várias subclasses terapêuticas. Nós temos vários medicamentos de marca que nesses últimos 20 anos saíram do mercado porque os genéricos ganharam o mercado com preços muito mais baixos. O grande problema hoje da regulação é que ela deveria estar customizada às necessidades do mercado concorrencial. Nós não devíamos ter subclasses terapêuticas com mais de três genéricos ou três similares concorrendo, nós não deveríamos ter a intervenção estatal. E a regulação deveria focar em mercados monopolistas, mercados sem concorrência. Atrelado a isso, outro problema da regulação é a resolução que disciplina o preço de entrada de lançamento no mercado, que é a resolução 2 de 2004. É uma resolução que veio moderna em 2004, quer dizer, ela pretendia ser moderna. O Brasil partiu na frente de qualquer outro país colocando a avaliação de tecnologias de saúde para preço de entrada, que é uma inovação, que não foi seguida por ninguém, já deveria ter sido abandonada. Porque a avaliação da tecnologia em saúde serve para você incorporar produtos no sistema de saúde, e não para dar preço para o mercado privado. Foi um passo ousado na época que não foi seguido. Outro problema é que ela está parada no mercado de 2004. Nós temos todas as inovações farmacêuticas, e foram muitas que entraram de 2004 para cá, que não são consideradas inovação por essa resolução. Por exemplo, nós estamos vivendo a entrada nos mercados mundiais das terapias gênicas e terapias avançadas, que se você olhar pela resolução 2 de 2004 da CMED, não são inovação. Elas caem em uma figura chamada “caso omisso” e o legislador fica muito amarrado para dar preço. Acaba que nós não estamos conseguindo precificar e estamos ficando à margem dessas novas tecnologias de mercado. Elas não serão viabilizadas se nós não modernizarmos essa legislação.


Impacto da regulação de preços no mercado e para os pacientes:

Nós temos impressão de que o Brasil não é prioridade para lançamento, o que não é verdade. O Brasil tem sim lançado produtos à frente de vários países. O que às vezes impede o lançamento é essa resolução 2 de 2004. Está muito antiga e não permite que a inovação tenha o preço que permita o lançamento. Tanto é que hoje nós já temos duas terapias gênicas com análise de preço na CMED. Nós temos várias oncológicas de primeira linha na CMED. Agora, há um desvirtuamento, quando você utiliza essa resolução antiga, você não consegue encaixar o lançamento nas categorias da resolução. Essas tecnologias novas são consideradas, como eu disse, casos omissos. E o caso omisso, você dá um poder discricionário enorme para o gestor público definir como vai ser a precificação. Hoje a CMED está usando um caminho que tem impedido essas tecnologias de entrar. Por exemplo, uma comparação off label. Nós fazemos uma comparação econômica com produtos comparáveis, que são registrados e têm indicação para a mesma terapia. Se você tem uma tecnologia disruptiva você não tem comparador. Não tem comparação. E a CMED está forçando uma comparação irreal off label com medicamentos antigos. Você tem toda uma linha de oncológicos sendo comparada com oncológicos de 20, 30 anos atrás. E tem preços irreais e que não vão permitir a entrada desses novos no mercado. Nós precisamos mudar um pouco isso. Mas o Brasil é prioridade sim. Temos vários exemplos. Nós temos duas resoluções da ANVISA, RDC 204 e 205, que são RDCs de priorização de registro para medicamentos que estão vindo para necessidades não atendidas. Você tem hoje vários produtos registrados na ANVISA em testes clínicos fase 2, fase 1B, e que entram na CMED e tem toda uma dificuldade de precificar. Às vezes você tem o registro sanitário e não viabiliza o lançamento do produto por essa legislação que está completamente defasada. Esse é o maior problema na minha visão.




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