Atualizações da RDC no 945/2024 de Pesquisa Clínica: você conhece todos os seus impactos?
- Inovatie
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Novos rumos para a pesquisa clínica no Brasil: os impactos da nova RDC da Anvisa
A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) no 945/2024 da Anvisa, publicada em novembro de 2024, marca um avanço significativo na regulação da pesquisa clínica no Brasil. Com a promessa de maior previsibilidade, celeridade e segurança jurídica, a normativa substitui a antiga RDC 09/2015 e a RDC nº 449/2020 e introduz uma série de mudanças relevantes tanto para estudos multinacionais quanto nacionais. A seguir, exploramos os principais pontos abordados em um webinar recente promovido pela Inovatie, que reuniu especialistas do setor para discutir os desdobramentos práticos da nova legislação.
Novidades e destaques da nova RDC
Entre os principais avanços está a previsibilidade nos prazos: a partir de agora, todos os estudos intervencionais com medicamentos passam a ter o prazo máximo de 90 dias úteis para análise pela Anvisa. Caso não haja manifestação dentro desse período, a aprovação é considerada tácita, permitindo o início do estudo. Isso representa um grande alívio, especialmente para os estudos nacionais, que antes enfrentavam longos períodos de espera e grande incerteza.
Outro ponto relevante é a possibilidade de responder exigências da Anvisa após os 90 dias úteis, sem necessidade de interromper o estudo. Esse modelo aproxima o Brasil de outros países com regulações mais modernas, promovendo maior integração internacional.
Estudos de iniciativa do investigador: novas regras
A RDC também traz um novo olhar para os estudos de iniciativa do investigador, agora denominados "estudos de pesquisador patrocinador". Nesse modelo, o pesquisador é também o patrocinador primário do estudo, mas não pode ser uma pessoa física. O patrocinador precisa obrigatoriamente ser uma pessoa jurídica (como a clínica do próprio pesquisador ou o hospital onde atua), o que impõe a necessidade de alinhamento entre as responsabilidades do pesquisador e da instituição envolvida.
Outro ponto sensível é a obrigatoriedade da contratação de uma CRO (organização de pesquisa clínica) para realização de monitoria, auditoria e garantia da qualidade dos estudos. O pesquisador não pode executar essas atividades por conta própria, o que eleva os custos e torna o planejamento desses estudos mais complexo.
Além disso, a nova norma estabelece regras claras para doação de medicamentos. Se uma empresa farmacêutica doa a medicação, mas também deseja utilizar os dados primários do estudo, ela passa a ser considerada patrocinadora, com todas as responsabilidades associadas. Caso contrário, pode figurar apenas como doadora, desde que não utilize os dados gerados.
Em casos em que o medicamento doado não é registrado no Brasil, o fabricante (inclusive empresas internacionais) automaticamente se torna patrocinador do estudo, independentemente da intenção de registro, dividindo responsabilidades com o pesquisador.
Armazenamento de dados e outras exigências
A RDC define que os dados dos ensaios clínicos devem ser armazenados por um período de cinco anos após a última solicitação de registro relacionada ao estudo (registro inicial, nova indicação ou pós-registro). Isso representa uma mudança significativa em relação à prática anterior de retenção de documentos por 20 anos, trazendo alívio financeiro aos centros de pesquisa. Caso um patrocinador deseje uma guarda superior a esse período, deverá remunerar o centro adequadamente.
A importância do Reliance
A nova RDC também valoriza o mecanismo de Reliance, que permite à Anvisa considerar avaliações regulatórias de agências internacionais de referência (como FDA, EMA, etc.). Isso acelera a análise de estudos já aprovados no exterior e traz previsibilidade ao processo. Ao optar por essa via, a Anvisa se comunica diretamente com a agência que já avaliou o estudo, podendo inclusive adotar os mesmos condicionantes.
Importação de medicamentos: agora com mais agilidade
A nova resolução permite que as empresas importem medicamentos mesmo antes da aprovação final do estudo, desde que tenham apresentado todos os dados e quantidades necessárias. Essa antecipação pode reduzir atrasos logísticos e permitir um início de estudo mais rápido.
Claro, há riscos. Se o estudo for indeferido ou cancelado, a medicação já importada precisará ser redirecionada — mas isso agora é uma decisão estratégica das empresas.
Medicação pós-estudo: um desafio que continua
Embora a RDC não trate diretamente do fornecimento de medicação após o fim do estudo, a lei da pesquisa clínica exige que exista um plano justificado e documentado quando houver fornecimento pós-estudo. Essa exigência traz mais responsabilidade ao patrocinador e evita abusos.
Doenças crônicas como diabetes, hipertensão ou condições raras ainda levantam dúvidas sobre a continuidade do tratamento. Mas a obrigatoriedade de planejamento é um avanço importante.
Estudos nacionais: os principais beneficiados
Apesar de representar avanços para todo o setor, os grandes beneficiários da nova RDC são os estudos nacionais, que sempre enfrentaram maior imprevisibilidade. Com a padronização dos prazos para todos os tipos de estudo, espera-se um aumento no número de estudos brasileiros, embora o ambiente regulatório ainda imponha desafios ligados a aprovação do preço e à proteção de propriedade intelectual.
Por exemplo, muitos estudos nacionais relacionados à inovação incremental acabam inviabilizados pelo risco de que o preço de comercialização, após aprovação, seja equivalente ao de medicamentos genéricos. Além disso, a falta de mecanismos de proteção temporária contra cópias também desestimula investimentos em pesquisa.
Aprovação ética: um novo desafio
Com a recente alteração na legislação de pesquisa envolvendo seres humanos (Lei 14.874/24), a aprovação ética também passa por mudanças. A partir de agora, a aprovação ética é concedida exclusivamente pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), não mais exigindo parecer da Conep, mesmo para estudos multicêntricos. Com isso, busca-se maior agilidade, embora o momento atual ainda seja de indefinição até a regulamentação plena da nova lei.
E o que esperar daqui para frente?
Embora a RDC esteja em vigor desde dezembro de 2024, o mercado ainda está se adaptando. Até o momento, não há muitos relatos de estudos que tenham sido aprovados automaticamente por “decurso de prazo” (aprovação tácita), mas esse mecanismo deve começar a aparecer nos próximos meses.
Há, no entanto, uma preocupação legítima: o número reduzido de profissionais na Anvisa pode impactar a agilidade do processo. Especialistas defendem que a área de pesquisa clínica deveria ser uma gerência própria dentro da agência, dada sua importância estratégica.
Conclusão
A RDC 945/24 marca um avanço significativo na regulação das pesquisas clínicas no Brasil, ao estabelecer prazos mais definidos, reduzir a burocracia e ampliar a autonomia de pesquisadores e patrocinadores. Trata-se de um passo estratégico para inserir o país de forma mais competitiva no cenário internacional. Embora ainda haja desafios — especialmente para os estudos de iniciativa do pesquisador —, o saldo geral é amplamente positivo.
O novo marco regulatório aponta para um ambiente de pesquisa mais profissionalizado, previsível e dinâmico, com potencial para atrair mais investimentos e fomentar a inovação. Com a perspectiva de avanços também nas áreas de regulação ética e política de preços para medicamentos inovadores, o Brasil tende a se consolidar como um polo estratégico para o desenvolvimento científico e tecnológico em saúde.
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