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O Impacto da RDC nº 948/2024 na Regularização de Medicamentos de Uso Humano




A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 948, publicada em 2024 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), trouxe mudanças significativas no processo de regularização sanitária de medicamentos de uso humano no Brasil.


Este novo marco regulatório estabelece requisitos tanto para o registro quanto para a notificação de medicamentos, com impactos que se estendem também ao pós-registro. O objetivo deste artigo é apresentar uma análise crítica das principais inovações, avanços e pontos de atenção trazidos pela norma.


1. Abrangência e Impactos da RDC nº 948/2024


A RDC nº 948/2024 define "regularização sanitária" como a autorização para fabricação, importação, distribuição, comercialização ou dispensação de medicamentos, tanto por meio de notificação quanto de registro, incluindo possíveis alterações pós-registro. Dessa forma, qualquer procedimento que envolva mudanças no produto após seu registro também deverá atender aos critérios estabelecidos pela nova resolução.


2. Consolidação e Harmonização Regulatória


Um dos maiores méritos da RDC nº 948 é a compilação das principais exigências regulatórias para o registro de medicamentos. A norma consolida documentos administrativos, harmoniza definições e cria um regramento unificado para diferentes categorias de medicamentos.


  • As RDCs anteriores que tratavam da documentação administrativa foram revogadas.

  • Passa a existir uma documentação mínima obrigatória, inclusive para medicamentos com regulamentações antigas ou incompletas.

  • As exigências de qualidade, segurança e eficácia passam a ser aplicáveis a todas as categorias.


3. Novas Ferramentas e Estratégias Regulatórias


A RDC também incorpora novas abordagens regulatórias e mecanismos que visam aumentar a eficiência do processo de registro:


3.1 Consulta prévia à Anvisa


A norma oficializa a possibilidade de consulta à Anvisa por todas as categorias de medicamentos, seja via reunião técnica, análise de protocolo de estudos ou pelos canais oficiais de atendimento da agência.


3.2 Submissão contínua de documentação


Prevê-se a submissão contínua, ou seja, a possibilidade de o processo ser alimentado com documentação ao longo do tempo, com avaliações sendo realizadas à medida que os dados forem apresentados.


3.3 Pareceres técnicos obrigatórios


A partir da RDC 948, os pareceres técnicos da Anvisa passam a ser publicados para todas as categorias de medicamentos, promovendo maior transparência.


3.4 Aprovação com pendência e termo de compromisso


Agora é possível obter aprovação com exigências pendentes, desde que estas não impeçam a avaliação inicial. Em casos mais significativos, a Anvisa pode estabelecer um termo de compromisso.


4. Inclusão de Evidências do Mundo Real


Uma inovação relevante é a inclusão das chamadas "evidências do mundo real" como parte da documentação científica para comprovação de segurança e eficácia. Essa abordagem amplia as fontes de dados válidas no processo de registro.


5. Alterações em Prazos e Processos

5.1 Sobrestamento de processos


A RDC permite que o processo de registro fique suspenso (sobrestado) até a conclusão da análise de Boas Práticas de Fabricação (BPF), evitando indeferimentos automáticos.


5.2 Aprovação tácita


Prevê-se a aprovação tácita quando os prazos legais (conforme a RDC nº 743/2022) não forem cumpridos, embora não haja clareza sobre como isso será operacionalizado.


5.3 Prazos de notificação de preço


O prazo para solicitar notificação de preço de medicamentos prioritários foi ampliado de 30 para 60 dias, segundo a nova resolução.


6. Organização e Otimização de Análises


A Anvisa poderá organizar as filas de análise com base em critérios como cronologia, tipo de medicamento e características da petição (art. 37). Tal sistemática pode conferir maior celeridade à tramitação processual, ao viabilizar o agrupamento de demandas com elementos comuns — como, por exemplo, petições referentes a medicamentos que compartilham o mesmo ingrediente farmacêutico ativo (IFA).


Todavia, essa possibilidade suscita questionamentos quanto à observância do princípio da isonomia, na medida em que petições protocoladas em momento anterior poderão ser avaliadas conjuntamente com outras submetidas posteriormente, o que pode implicar em tratamento processual assimétrico.


Além disso, o artigo 41 introduz a possibilidade de análise abreviada, otimizada ou até dispensada, conforme o risco sanitário. Porém, a ausência de definição clara do "plano de gerenciamento de avaliações" preocupa, pois pode resultar em:


  • Indeferimentos sumários, sem análise de mérito, baseados apenas em triagens (admissibilidade).

  • Cancelamentos retroativos de aprovações, caso haja descumprimento de condições pactuadas, embora a Anvisa deva emitir exigência técnica prévia antes de cancelar.


7. Auditoria e Avaliação Técnica


A norma permite que a Anvisa realize auditorias de conformidade em processos de regularização, podendo agrupar petições por empresa e verificar presencialmente o cumprimento de obrigações, especialmente em casos de análise abreviada ou dispensada.


8. Harmonização de Definições e Documentos


A RDC 948 promove a padronização de termos e conceitos utilizados nas diferentes RDCs e define, pela primeira vez, termos como:

  • Avaliação de risco-benefício

  • Risco sanitário

  • Submissão contínua

  • Aprovação tácita

  • Auditoria de conformidade


Também é padronizada a definição de "medicamento" para fins de aceitação de documentos internacionais como o Certificate of Pharmaceutical Product (CPP), mesmo quando o produto é classificado de forma diferente em seu país de origem.


9. Requisitos de Qualidade, Segurança e Eficácia


Embora os requisitos específicos de qualidade não tenham sido unificados entre categorias (ex: sintéticos x biológicos), a RDC impõe requisitos mínimos comuns, exigindo documentação complementar nos casos em que a legislação específica é omissa.

Na área de segurança e eficácia, destaca-se a necessidade de:


  • Relatórios clínicos e dados técnicos científicos atualizados.

  • Apresentação de informações clínicas favoráveis e desfavoráveis.

  • Inclusão do PSUR (Periodic Safety Update Report) para medicamentos já comercializados no exterior.


Conclusão


A RDC nº 948/2024 representa um avanço significativo no sistema regulatório sanitário brasileiro. Ao unificar critérios, harmonizar documentos e incorporar inovações como evidências do mundo real e submissão contínua, a norma moderniza e racionaliza os processos da Anvisa.


Entretanto, pontos de atenção permanecem, especialmente no que tange à falta de clareza sobre critérios de priorização, triagens para admissibilidade e o risco de indeferimentos sumários. Ainda assim, a avaliação geral é positiva: a resolução amplia possibilidades e traz maior previsibilidade ao processo de registro, desde que aplicada com cautela e transparência.

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