Você já pensou em se tornar um cientista-astronauta? Já sonhou em desenvolver sua pesquisa com modelos celulares cultivados na estação espacial? Pois saiba que isso pode se tornar uma realidade!
Ao longo da história, houve diferentes motivações para a humanidade explorar o espaço. Atualmente, a corrida espacial tem como principais focos (i) a exploração de minérios, visto que muitos dos meteoros contêm riquíssimos minérios; (ii) o lançamento de satélites, enviados sucessivamente ao espaço com tecnologias cada vez mais avançadas para diversas finalidades, como o monitoramento de desmatamento e a otimização da pesca e da agricultura, o que vem acelerando o desenvolvimento espacial a um nível nunca visto antes; e (iii) a visita a Marte.
Contudo, várias startups vislumbraram outras oportunidades comerciais para explorar tecnologias que nem se imagina terem sido desenvolvidas para o desbravamento do espaço, como o GPS, os óculos resistentes a arranhões, a tomografia computadorizada, o termômetro auricular, o Invisalign® (desenvolvido por meio da técnica de análise tridimensional do rover, veículo de exploração espacial que foi a Marte), etc.
Há também indústrias que se aproveitaram da corrida espacial para desenvolverem algum tipo de produto relacionado, como, por exemplo, o envio de cinzas de familiares para o espaço ou o comércio de sal levado à estação espacial.
O projeto de chegada a Marte, que inclui a passagem pela Lua, criou uma série de novos mercados em órbita, em microgravidade, na estação espacial, tanto para a exploração da Lua quanto para o treinamento de astronautas rumo a Marte.
Porém, devido ao fato de a NASA, por muito tempo, ter concentrado seus esforços apenas em tecnologia e engenharia, a parte biológica ficou com muitas incógnitas, carecendo de um conhecimento mais aprofundado.
Um dos trabalhos que exemplifica isso é o projeto conduzido pela NASA, em 2018, que selecionou um irmão de um par de astronautas gêmeos monozigóticos (idênticos) para ir a uma missão de 1 ano na Estação Espacial Internacional. O estudo comparou o impacto do ambiente de voo espacial em um indivíduo com o impacto simultâneo do ambiente da Terra em outro indivíduo geneticamente idêntico. Foram analisadas e comparadas as características moleculares e fisiológicas que são afetadas pelo tempo sob microgravidade. Alguns achados já eram esperados, como, por exemplo, o ganho de estatura de 10 cm do sujeito que foi ao espaço. Porém, outros resultados multifisiológicos foram, de certa forma, surpreendentes, como a aceleração do envelhecimento observada na pessoa que retorna do espaço. (Garrett-Bakelman et al. The NASA Twins Study: A multidimensional analysis of a year-long human spaceflight. Science 364, eaau8650 (2019)).
Essas descobertas ofereceram oportunidades não só à NASA, mas também para aplicações na Terra, pois as alterações fisiológicas que ocorrem nos astronautas podem ser empregadas para desenvolver medicamentos para pessoas que vivem na Terra e que sofrem dos mesmos problemas.
E isso já vem acontecendo: o Brasil, por exemplo, acabou de incorporar ao SUS um medicamento indicado para um tipo grave de osteoporose que foi desenvolvido pela Indian, na estação espacial, para auxiliar o retorno dos astronautas à Terra, visto que eles, depois de um certo período em microgravidade, perdem massa óssea constantemente e, antes de retornarem à Terra, são tratados com esse mesmo fármaco que foi incorporado ao SUS.
Grandes biofarmas da Europa e Estados Unidos estão desenvolvendo uma série de produtos com base no que foi aprendido com o processo de aceleração do envelhecimento dos astronautas da estação espacial. No entanto, em sua maioria, estão sendo estudados medicamentos para perda óssea, perda muscular e doenças cardiovasculares. Não há muita pesquisa para as indicações neurológicas.
O artigo dos gêmeos idênticos também mostrou que a longa permanência na estação espacial levou a significativa perda cognitiva no sujeito que esteve em microgravidade, perda que não foi recuperada depois do seu retorno à Terra. E isso, obviamente, colocou a NASA em uma questão ética delicada, pois seria ético mandar alguém para Marte, viagem que levará anos e, portanto, causará uma dramática perda cognitiva à pessoa?
Então, uma das poucas maneiras éticas de se estudar o impacto do ambiente espacial sobre as células neurais seria por meio da utilização dos chamados “organoides cerebrais”, que são estruturas tridimensionais formadas a partir de células-tronco. Elas contêm a maior parte das principais populações celulares do cérebro humano, que se organizam, formando um tecido muito parecido com o tecido neural e que têm uma funcionalidade semelhante ao cérebro humano. Atingem até 0,5 cm de diâmetro, sendo visíveis a olho nu.
Esse sistema já vem sendo utilizado há algum tempo e, em 2013, observou-se que o organoide cerebral recapitula o neurodesenvolvimento humano de uma forma muito acurada, ou seja, um mês de cultivo dos organoides é equivalente a um mês de gestação, nove meses é equivalente a nove meses de gestação, um ano é equivalente a um cérebro de um ano. Só que essa característica inviabiliza utilizá-los para estudar doenças que acontecem em idades mais avançadas, como, por exemplo o Alzheimer, que se manifesta por volta dos 60, 70 anos, visto que não seria viável cultivar, por tanto tempo, um modelo cerebral no laboratório. Logo, não se tem um modelo prático para doenças neurológicas que afetam idades mais avançadas.
Foi a partir dessa necessidade de estudar o processo de envelhecimento neural mais tardio que surgiu a ideia de enviar os organoides cerebrais para a estação espacial! E, assim, o primeiro voo aconteceu em 2019. Para tal, miniaturizou-se o laboratório dentro de uma caixa de sapato, onde foram colocados o meio de cultura, os organoides, uma câmera, um microscópio e uma série de sensores. A única função do astronauta foi plugar o mini-lab em um dos gabinetes da estação espacial. A partir disso, passou-se a ter acesso, da Terra, a tudo que acontecia dentro da caixa e pode-se monitorar o desenvolvimento dos organoides cerebrais.
Esse experimento demonstrou que a célula neural para de envelhecer quando no ambiente da estação espacial. Isso foi medido por meio de marcadores moleculares, incluindo as telomerases. Na verdade, observou-se que as células tronco neurais são até estimuladas a crescer, então, pessoas que ficam na estação espacial por um longo período, não só param de envelhecer, como rejuvenescem.
Porém, a partir do momento que se volta à gravidade da Terra, acontece uma “supercompensação” do tempo que a célula não envelheceu e observa-se o fenômeno chamado de aceleração do envelhecimento. E isso não acontece só com as células neurais, acontece com qualquer célula do corpo. Contudo, as células da pele, do pulmão, do músculo e da maior parte dos tecidos, contam com células tronco que conseguem regenerá-los, já os neurônios não se regeneram. Por essa razão, o envelhecimento cerebral é permanente.
Esse sistema tem uma série de aplicações, pois permite estudar não só o envelhecimento normal, mas também criar modelos para uma série de doenças neurológicas senis que hoje não têm cura, como a demência e Alzheimer. Eles podem, por exemplo, ser moldados para desenvolver drogas que sejam neuro protetoras.
No final de 2023, o laboratório do Dr. Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia, em San Diego, recebeu significativo investimento para montar um instituto de astrobiotecnologia com o objetivo de criar um laboratório de célula-tronco no espaço, por meio de parcerias com novas empresas que estão criando estações espaciais comerciais. A base, em Terra, servirá como centro de controle, onde cientistas serão treinados para serem astronautas, para executarem ciência na estação espacial. Haverá uma série de laboratórios multidisciplinares, com engenheiros, mecânicos e demais profissionais necessários para viabilizar as viagens até a estação espacial.
Contudo, os experimentos estão alcançando um nível de complexidade que requer cientistas para serem executados. O instituto, então, planeja recrutar o primeiro grupo de cientistas astronautas da história, bem como todo tipo de profissional astronauta. Como seu laboratório possui mais de 80% de brasileiros, há grande chance de que os futuros astronautas também sejam brasileiros.
E o laboratório do Dr. Muotri segue reunindo colaborações, e está aberto a receber projetos de qualquer grupo que tenha interesse em executá-lo na estação espacial. Ou seja, ele coloca o mecanismo de envelhecimento celular acelerado à disposição de outros pesquisadores. Esse modelo seria excelente para estudar, por exemplo, um cosmético para evitar o envelhecimento da pele.
Estão também disponíveis para colaborações de outras naturezas, como a que realizaram com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), cujo projeto envolve o uso de robôs inteligentes, treinados para identificar e localizar plantas com substâncias neuroativas na floresta amazônica; a coleta e extração dos neuroativos de tais plantas, e o teste em organoides cerebrais derivados de pessoas com Alzheimer para avaliar sua atividade neuroprotetora.
Dr. Alysson Muotri é um pesquisador brasileiro que trabalha na Universidade da Califórnia, em San Diego e que se coloca à disposição para fazer pesquisas colaborativas. É especializado na interseção do conhecimento entre genética e neurociência, é conhecido por desenvolver organoides cerebrais a partir de células-tronco, chamados de mini cérebros, para estudar o desenvolvimento inicial do sistema nervoso humano. O Dr. Muotri possui formação em ciências biológicas pela UNICAMP e doutorado em biologia genética pela USP. As suas áreas de pesquisa incluem genética humana, reparo de DNA, terapia gênica, autismo e câncer. Site: Muotri Lab
Imagem ilustrativa da futura estação espacial onde Dr. Muotri espera ter cientistas brasileiros, cultivando mini cérebros, numa fazenda de organoides cerebrais para mandar para a Terra, para estudar todos os tipos de doenças neurológicas.
Link da imagem: Cover Image - 2023 - Artificial Organs - Wiley Online Library
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Fonte: Baseado na palestra ‘Ciência no Espaço: Uma colaboração entre Brasil e Califórnia’, proferida pelo Dr. Alysson Muotri durante o evento ‘The BIO International Convention’, que aconteceu em San Diego, CA, em junho de 2024. Foi reexibida durante o CRMeeting 2024, gentilmente cedida à Inovatie pela Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi).
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